quarta-feira, 21 de julho de 2010

Intrínseco lavado


- Corri corri corri e enfim cheguei a um beco sem saída.O que faria diante desta impassível situação? - pensou o homem.
- Assumir problemas não me convém. Quero mais é morar nesse beco, pegar minhas trouxas e viver com meus poucos deleites.
Deitado no canto do muro já decadente,havia cansado de assistir a proliferação dos ratos. Resolveu analisar as trouxas que dispunha:
- Como são úteis essas minhas trouxas ...tenho do que me esquentar, afofar, proteger. - delirei. Certamente era o necessário para sobreviver durante o período rigoroso.
- Mas não será eterno.Tudo bem, que dure o que tiver de durar. - conformado.
- Pode parecer egoísmo de minha parte evitar de me desfazer do que já não agrada.
- Não, não é egoísmo. - lutei contra a própria consciência.
No momento, senti que havia sido sucumbido pela fragilidade malévola do meu ser.Apenas deixei ser levado pela maré de tristeza,somente me conformando para evitar que acarretasse em piores desastres.Covarde.
Pois bem, ao menos cessavam-se as auto-conversas.Predominava o silêncio de novo.
O homem fechara os olhos, vasculhando suas trouxas para encontrar sua tola bebida bem guardada. Abriu com tanto desespero e ansiedade,que derramou um pouco da sagrada em cima dos pertences. Tomou em poucos goles, demonstrando a voracidade de um animal selvagem. Na sequência,sem rumo e sem pudor,levantou e aproximou-se do muro, deitando no meio-fio que lhe estava próximo.Encostou a cabeça,e fê-lo o mais confortável travesseiro.
Esparramado como se em coma, começou a chorar e pedir perdão pelos pecados: por carregar as ingênuas trouxas consigo e abusar do vício alcoólico para esquecer das dificuldades. Era homicídio seguido em suicídio.

- Perdoe-me Deus. - suplicou.
Naquele exato instante, um leve sereno caiu ,como se fossem singelas lágrimas do Deus que tantos desabafos e preces ouvira.O homem instintivamente começou a beber da água que caía. No decorrer das horas, o piedoso tempo lavava o homem de dentro a fora.Estava no julgamento dos próprios crimes.
Quando o sereno parou, já saciado de beber, levantou-se. Levantou cambaleando,com aparência maltrapilha, tropeçando nos obstáculos invisíveis com a roupa toda ensopada daquelas "lágrimas".
O sereno parecia ter levado uma boa parte da embriaguez e sujeira da alma.
Não sabia porque só chovera naquele beco sem saída que se encontrava.Talvez apenas o acaso, porém, ele continuou em frente.
Bocejou e desembaçou os olhos recém lúcidos,de repente,se viu em frente a uma frase,pintada no muro que parecia quase desmoronar:
"Percebera que tola não era a bebida do homem, mas sim o homem da bebida.Não carrega as trouxas, e sim as trouxas carregam-no.Fostes o próprio beco sem saída."
O homem acelerou os passos e deixou o beco sem olhar para trás, feliz por ainda possuir suas preciosas e coitadas trouxas,sobretudo, por tê-las se bem quisesse, e amá-las se bem sentisse.




Nunca nego as saudades do sereno que senti por tão pouco tempo.

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