sábado, 26 de junho de 2010

Alvos lírios dedicados à saudade


Entrei pelo portão dos fundos,caminhando sorrateiramente acompanhado de uma fina camada de neblina, abaixo de um leve sereno. A vegetação estava mórbida, e os ventos assobiavam tão forte que me davam a impressão de não estar sozinho. Estava no campo imaginário onde encontrei os seus últimos vestígios: A solidão.
Longas buscas, mas enfim havia colhido o último lírio de toda a primavera: era branco.
Sinceramente? Eu sempre achei que o seu favoritismo branco do lírio fosse somente por você enxergar o nosso amor de forma incolor.Mas tudo bem,talvez fosse uma teoria muito maquiavélica de minha parte.
A saudade era tanta que me doía ter que suportar a sua ausência. Em homenagem à lacuna que me deixou nesta cadavérica vida, decidi enobrecer os bons momentos a qual havíamos passado juntos. Conduzi o lírio branco próximo ao meu rosto, para que sentisse o último frescor de suas pétalas.
Apreciar o alvo lírio me fazia bem, pois mesmo branco, lembrava-me da "vida dos bons momentos" que tive de forma mais cintilante.
Permaneci paralisado naquele eterno momento. As lágrimas se estagnaram no meu rosto, e a saudade em suspirar o próprio aroma do seu corpo vinha à tona.
Recitei:

- Respirar sob pressão dos teus abraços,
estender-se no calor veludo dos teus seios.
Obedeço e satisfaço sua sempre quista vontade,
honrando o vívido passado, sem desdenho.

Joguei o último lírio,especialmente branco, sobre o túmulo.
- Eu amo você - disse aos sussurros.
Por garantia, me certifiquei:
- A saudade me segue há tanto tempo, que finalmente vou tirar longas férias com ela - ainda cochichando.
Sem rumo, voltei continuando a me guiar pela marcação de migalhas que derrubei pelo caminho...migalhas que herdei do seu legado.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Consciência


É Natural do ser humano. Espécie típica de procurar saídas mais fáceis,escapando pela possibilidade mais inconsequente. Pernas pra que te quero: correr do que te afronta e evitar o que tem capacidade de afetar diretamente.
Tentar ser quem você não é ou parecer menos atingido pela tristeza que te arrasta pelos cantos. Fingir a felicidade que não tem, somente para demonstrar convicção moral e emocional diante ao próximo, que parece-lhe melhor do que você.
A ausência do seu grande amor lhe tornou um grande mentiroso. As feridas que não cicatrizavam continuam piorando: a doença era a própria vida.
Devido a inatividade as moscas já pousavam sobre o corpo, imóvel durante horas a fio. Tive medo até em arriscar um palpite sugerindo que estivesse morto,porém, tenho certeza que nem mesmo as larvas gostariam de saciar a fome com a podridão da sua carne fresca.
Você estava morto e necessitava o status da mais vívida das vidas.
Esse teatro todo certamente enganava qualquer um, até mesmo a Deus. Enganou seus amigos,seu pais,conhecidos...mas a única pessoa a qual todo esse repertório queria convencer,não convenceu. Você falhou e já não consegue mais enganar a si próprio.Já ouvi dizer que a única coisa que ninguém NUNCA vai conseguir enganar é a própria consciência. Dona da verdade e absoluta nos atos alheios, a consciência é a mais forte entre todas as formas de vida,dada a cada um de nós para o uso que "bem entender".
A sua única chance já se desperdiçou: a ignorância. Ela sim por sua limitação decorrente da tamanha ingenuidade do ser, talvez aliviasse a consciência alegando não ser culpado.
O problema é a ciência. Você sabia de tudo e não conseguia mais desatar o nó que você mesmo dera.
Seu peso na consciência é tão grande que andar ou pensar se tornou impossível.
Mas a locomotiva da consciência não parou. A todo vapor ela vinha na minha direção.
Suicídio? Longe disso. Embora eu soubesse que deitar na ferrovia gelada à espera de ser atropelado, atropelado eu seria por minha própria consciência e acabaria desistindo da ideia de querer morrer.
A conclusão é que a dor da vida é inevitável.Para o fraco que aqui sofre, só lhe resta seguir em frente,infelizmente consciente do que tem e vem pela frente.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Correspondência à SCHURT


Aonde está o salva-vidas nesse exato momento? Quando se mais precisa dele, ele nunca aparece. Pode parecer carência demasiada querer ser resgatado por alguém, mas não é. Eu realmente preciso de uma salvação, seja de um bombeiro, mulher, psicólogo, psiquiatra...eu só preciso que me escutem, e que compreendam a minha dor.
Logicamente, entre esses eu escolhi um psicólogo,que logo na primeira consulta percebeu que meus problemas não eram normais, e que provavelmente estaria com algum tipo de depressão ou transtorno. Sem hesitação,já me encaminhou a um psiquiatra, que por seu conhecimento médico mais aprofundado, tinha como receitar remédios que me acalmassem.
- Qual é o problema,senhor? - perguntou o psiquiatra.
- Tudo é o problema. - disse afobado.
- É opcional a sua resposta, pois sei que pode parecer intromissão da minha parte por tentar compreender os seus problemas pessoais,mas...o que foi que causou "tudo" isso? - preparado para anotações na sua prancheta.
- Uma rejeição. - respondi com a voz trêmula.
- O senhor por acaso já ouviu falar de depressão,e sabe o que ela significa psiquiatricamente falando? - indagou.
- Olha, eu conheço muita gente com depres...
- Não. A Depressão é uma doença afetiva ou do humor, não é simplesmente estar na "fossa" ou com "baixo astral" passageiro. Também não é sinal de fraqueza,falta de pensamentos positivos ou uma condição que possa ser superada apenas pela força de vontade ou com esforço. - me interrompeu com o sermão cientificamente correto.
- Então seria uma doença? - perguntei curioso.
- Sim, a depressão é uma doença "do organismo como um todo", que compromete o físico, o humor e, em consequência, o pensamento. A Depressão altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende das coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si próprio e como pensa sobre as coisas.
Não tive o que responder.O doutor me pediu para que voltasse uma semana após essa consulta. Fui sobrevivendo ao longo dos dias para que se passasse uma semana.Era aparente a ausência dos sonos,com olheiras e com a viúva já aos olhos.
Chegando à ala psiquiátrica do hospital, entrei no consultório e o médico disse que tinha achado o meu problema:
- Procurei em livros e listas das síndromes mais incomuns existentes.O seu caso é a síndrome de SCHURT, ou Síndrome de Carência Horária por União Repentinamente Terminada. Não é uma síndrome tão rara, mas também não é tão comum. As vítimas desse transtorno físico-emocional geralmente se dão pela obsessão por algum relacionamento com alguém mais velho, causado pelo insucesso do mesmo. Tendo em vista as anotações do psicólogo que te indicou para este consultório,os sintomas e causas batem perfeitamente.
- Existe cura? - perguntei assustado pela sabedoria do doutor.
- Com certeza,a medicina propõe a cura para este problema.O senhor terá que tomar anti-depressivos e se necessário alguns calmantes com efeitos colaterais fortes, até incentivadores à sonolência. - respondeu o doutor.
- E também é válido lembrar que a cura também depende da sua superação pessoal. Os remédios são apenas ajudantes no tratamento.
Depois da despedida ao grande descobridor (ou apenas o informante) do meu problema, eu deixei o consultório , comprei os meus remédios segundo a prescrição médica e fui para casa.
Deitei relaxadamente no sofá e fui tomar o primeiro comprimido, mas antes, falei comigo como se a SCHURT fosse uma pessoa morando dentro, com uma personalidade totalmente diferente:
- Boa noite,meu triste amigo. - olhei para o comprimido na palma da minha mão esquerda, e corajosamente joguei direto à garganta,logo encerrando aquele tempo longo que nunca dava trégua para ser feliz.









*o termo SCHURT é fictício.