segunda-feira, 31 de maio de 2010

Memorial incinerado


Em meio à grandes amontoados de poeira, tento contar quantas velharias eu infelizmente não pude me desfazer.Perdi o controle da coisa a partir que aquela gigantesca coleção foi ganhando mais apetrechos pendentes a armazenar. Memórias eram o que não faltavam,ruins ou boas, eu arranjava um espaço naquele meu acervo, ou simplesmente jogava em direção às tralhas.
Qualquer um que visse minha coleção, acharia um monte de "lixo",e ainda por cima suporiam que eu não fosse higiênico. Confesso que nem mesmo liguei para os hábitos corretos, e assim se acumulou toda aquele material.
Uma vez, um amigo dissera:
- Se desfaça dessas coisas, não te fazem nada bem.
Eu aceitei o conselho pois sabia que ele estava correto,no entanto, não coloquei em prática.
Caminhando pela casa, sentei na poltrona na qual passávamos horas sentados(com você ao meu colo):conversando, rindo, discutindo,brincando,namorando...enfim,horas e horas lembrando.
Mas a impressão era de que,aos poucos, estaria me assemelhando a todo aquele velho resíduo que guardava.
Todo o seu legado foi apenas um monte de memórias,as quais me faziam delirar pelo passado que tive. Eu habitava um museu. Um museu de saudades que me torturava com aquelas lembranças que jamais voltariam,e que literalmente faziam com que meu coração transparecesse como uma velha relíquia.
Chorando ininterruptamente, imaginei com qual homem você estava sendo feliz. Tentava compreender o que ele provavelmente tinha de melhor do que eu. Tão doloroso era pensar que eu ainda tinha esperanças do seu retorno.
De modo involuntário,ainda chorando, fui despejando toda aquelas coisas no meu quintal pois reduziria tudo aquilo à cinzas.Toquei fogo.
Assisti toda a fumaça das minhas memórias voando em direção ao céu,deixando a saudade se desvanecer pelos ventos que ali sopravam.

domingo, 23 de maio de 2010

Patriotismo


Sempre quando a vejo de passagem,
me deparo batendo a honrada continência.
Por trás desse respeitoso homem à excelentíssima,
existe alguém que nem proclamou a própria independência.

Sob o rufar dos animados tambores que a ti ecoam
o coração bate novamente àquele sentimento célebre.
Me engasgo com tanto amor ufânico enclausurado.
Assim me retiro em tristes prantos,
ao som da marcha fúnebre,despedaçado.

Ó Pátria amada, idolotrada, por favor salve.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Mau "ressignificado" do óbito


Assistiu a fumaça subir vagarosamente e quando finalmente já perto do filtro,jogou-o no chão e pisoteou como se odiasse. A contradição era justamente essa: você o amava. Era tanto amor àquele mau elemento, que chegava a me dar inveja. Eu daria milhares de cigarros por você, e você sequer daria um cigarro por mim.
O seu ceticismo quanto à felicidade da vida me irritava. Você era jovem,estava no ápice da vida e mesmo assim não pensava nas consequências para o futuro. Não imagina quantos homens,amigos e inimigos você faria triste se já não pertencesse entre nós? A sua inconsequência era consequência de não encarar a vida como ela é ou poderia ser. A rendição à ela foi o seu erro. E negar a ajuda para sair desta vida foi o arremate.

- Tire esse sorriso da boca. - supus conversas entre nós.
Você acendeu outro cigarro, e ainda tragava indiferentemente.
Eu tinha de admitir, as suas palavras eram eloqüentes suficientes para demonstrar convicção sobre as suas opções de vida, mas no fundo até você sabia que fora uma pessoa sem garra para concretizar o que tanto desejava na vida. A sua auto-suficiência se contentava com os míseros poucos que lhe restavam.
Infelizmente, a morte era a sua meta. E você sequer pensou no que poderia fazer para compensá-la durante sua vasta vida e assim preencher as lacunas pendentes.

- Realmente achou que a morte apenas fosse uma inevitável,trágica e dolorosa peça do destino,não é? - Indaguei numa retórica.

Você logo procurou o desfecho para uma vida que você nem mesmo teve.
Claro que doeria sim àqueles que te amam por perdê-la,porém, a você que não fazia questão em vivê-la,passaria discretamente.
O seu remorso após a morte não seria fruto do cigarro,por exemplo,mas sim da insignificância que você teve em vida.
E eu como fico afinal? Ahhh meu bem, continue sorridente e fumando o seu cigarro, enquanto eu permaneço caminhando em direção ao abismo...quem sabe atrás de você.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O que as câmeras não vêem, o meu coração ainda sente


- Obrigado pela compra senhor, faça bom uso! - disse a sorridente atendente da loja de usados.
Eu havia comprado uma antiga Polaroid numa loja de velhas quinquilharias. Mesmo sabendo da dificuldade em encontrar as recargas para essa câmera atualmente, sabia que faria bom uso da carga que ainda viera junto com a compra.
A minha felicidade era que agora eu poderia realizar o meu fetiche: fotografá-la.
Tinha a estranha capacidade de te enxergar em qualquer lugar e momento, e logo que saí da loja já te avistei.
Observava-lhe pelos cantos, atrás de árvores, multidões, e por sorte você nem notava. As pessoas sentiam medo da minha feição maníaca em admirar aquela mulher. A impressão é que eu fora tachado como louco por quem me via atrás dos objetos,tentando disfarçar a minha presença àquela pessoa.Além do mais eu nem sabia se o restante realmente via a mulher que eu fotografava.
Guardava as fotos recém-tiradas no bolso interno da minha jaqueta e deixava secando sem sequer olhar de antemão pois queria aquela surpresa ao vê-las em casa,na hora de montar o álbum .
Você demonstrava tanta tranquilidade andando em vagarosos passos. Chegava a pensar que você não fazia nada da vida a não ser andar sem rumo e sutilmente fumar os seus cigarros. Aliás, eu tirava belas fotos de você fumando, tão linda mesmo tragando um veneno desses,inteiramente surreal.
Com certeza eu já estava passando algumas poucas horas te fotografando pelas belas paisagens.
Você deixava qualquer paisagem bonita somente com a sua presença.Não importava se eu tirasse uma foto sua em frente ao esgoto, pois ficaria maravilhosa com sua fotogenia espontânea.
Num momento de descuido,prestando atenção em algo aleatório,repentinamente você fugiu da minha vista.
Fiquei desesperado e não sabia mais onde você estaria.Procurei por todos os lados mas continuei falhando em te encontrar.Enfim depois de alguns minutos,desisti. Tudo o que me restava era voltar pra casa.Pelo menos ainda estava ansioso para ver as fotos.
Mas quando cheguei em casa tomei um susto ao ver o resultado: você não apareceu em nenhuma das fotos.Exclusivamente você,porque os fundos estavam em nítida impressão.Espantado, até chequei a lente da câmera afim de reparar algum defeito mas mesmo assim não conseguia me ludibriar de que havia algum problema com a câmera.
Naquele momento de extrema decepção, questionei a sua existência:
- Seria você uma esquizofrenia,miragem ou apenas fruto da minha imaginação?
- Por que só os meus olhos vêem a sua beleza? Você realmente existe?
Resolvi queimar as fotos e joguei a câmera fora,afinal não me serviam mais para nada. O jeito era contemplar sua beleza às escondidas e com meus próprios olhos... que pelo visto,eram olhos únicos nesse mundo.


Ps.: desde então nunca mais te vi,e sinto tanta saudade...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A robótica da vida humana


Imagine a dor que um destino cruel pode causar. Tanto amor acumulado há tanto tempo no peito que o coração começa a ficar sem espaço para bater. Tamanho amor que se morresse um dia com tudo isso dentro, seria injusto terminar em restos pútridos enfim reduzidos à carcaça.
Invejo a estrutura de um robô,eterno e programado a desempenhar alguma tarefa com sucesso, sem margens de erro.
As vezes penso se não sou um robô aprisionado em um corpo humano,afinal, minha vida sempre soou ser programada somente ao amor.
- Não,definitivamente não.Robôs não amam. - pensei melhor.
Mas como assim a perfeição poder falhar?
É, meu coração é a prova viva que até os sentimentos mais perfeitos têm a chance de não obter o merecido triunfo...
Com certeza a volubilidade sentimental humana é notavelmente mais complexa perante à exatidão dos cálculos matemáticos que definem um sistema robótico. Mas infelizmente, o sofrimento é o preço que se paga por essa complexidade a mais. Temos a vulnerabilidade a algo imaterial(sentimentos).
Pobres humanos ainda não conseguem esquecer as memórias por pura e espontânea vontade.Remoem esse passado(perfeito e fugaz) a ponto de machucar o próprio ego. Robôs ao menos têm a probabilidade de terem os arquivos corrompidos,claro que não proposital, mas se assim perdê-los, são capazes de inibir a saudade das memórias de virem à tona.
- Ah, robôs... - com os olhos brilhando.
Mas robôs não amam. Suas vidas não necessitam sentido.Eu necessito um sentido.Necessito você.
Sem mais delongas: se eu não tiver tal êxito nesta minha programação humana,por favor, desligue os aparelhos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Arranha-céu


É tão bonita a vista aqui de cima. Ver toda a cidade minimizada a ponto de compará-la como uma inanimada maquete.
De onde estou, sou incapaz de enxergar toda a sujeira e imperfeição deste lugar, sendo ainda privilegiado com a impossibilidade de ouvir e compreender todas as as idiotices do mundo.
- Ahhhh. - aos suspiros.
Incrível é imaginar a vida como um grande formigueiro, e supor a insignificância das reles "vidinhas" as quais vivem na metrópole lá embaixo. E Observando atentamente, noto a sistemática dessa rotineira vida, sempre constante.
Visualizo qualquer imagem nas nuvens, mesmo sabendo que isso não passa de uma visão utópica da minha parte. Este é só o MEU ponto de vista.
Daqui as pessoas são todas iguais, mesmo que únicas por suas nuances individuais, passam despercebidas e indiferentes...

Me apeguei a este mundo superior, e nunca mais gostaria de descer. Afinal, só aqui posso admirar toda a real beleza dessa vida,sem ao menos precisar te ver.

domingo, 2 de maio de 2010

A vida de drogas


Como foi o homem inventar um meio de interromper os sonhos mais perfeitos?
Que ousadia era essa em despertar e viver uma realiadade ao invés do perfeito irreal?
Faz parte despertar e ter que lutar por essa responsabilidade cruel chamada vida?
A partir daquele dia o abrir dos olhos foi inevitável.Estava numa espécie de transição, do sonâmbulo ao já acordado, em animação suspensa. Lembro que até os meus sonhos já estavam alertas sobre quem era sua verdadeira pessoa,pois fora deles eu já havia sofrido na pele,com traumas marcados por cicatrizes.
Em sonho era como se você fosse uma rainha e eu um mero subordinado no qual eu fazia questão de te obedecer e idolatrar acima de qualquer condição,e o pior, sem nenhuma recompensa.Afinal,a recompensa que eu queria era de tamanha ambição, que tinha chances praticamente nulas. Incrivelmente eu adorava esse tipo de sonho, pois de algum de jeito eu conseguia satisfazer os seus desejos,e agradar-lhe de alguma forma, mesmo que indiferente eu fosse. Ainda culpava o amor por essa "cegueira em te ver" como uma pessoa extraordinária... (risos)
Voltando ao mundo,sonambulei até o banheiro,enxaguei os meus olhos e a transição estava completa, agora lúcido e ciente do que eu realmente vivia. Um susto!Foi o pior dos pesadelos: eu não acordei ao seu lado,e já acostumado, nem tinha os seus sinais de vida.
Juro que já tinha apelado a deus, e questionava-o sobre o porquê daquele imposto do qual eu não necessitava "pagar". Acordar para a vida havia criado um dos meus piores medos: voltar a dormir e ter que acordar novamente,perdendo tudo o que eu já tinha conquistado de mais insignificante nos sonhos. Agora tudo o que eu queria era permanecer despertado na minha realidade,e que se tivesse de sofrer, sofreria e enfim com o tempo me acostumaria(ou não).
Minha situação era lamentável,a cara estava amassada de tanto dormir, as cortinas impediam há dias que o sol entrasse na minha casa, e que assim mostrasse seu brilhante horizonte. O ambiente o qual eu me encontrava era literalmente tenebroso.
Triste era saber que naquela condição, ninguém sequer aparecia na minha vida para me ajudar. O pior de tudo é que ainda me atrevia a te esperar que viesse me salvar, como se inversamente eu fosse o rei , e que necessitasse das ajudas do subordinado,mas sabia que era só mais um sonho impossível.
Ainda na luta de permanecer acordado,eu tomava café em disparada, e já estava pronto para o que tivesse que vir,ou melhor, não vir nessa infeliz realidade. Era horrível sentir meu coração batendo por alguém que nem queria saber da minha vida ou existência. Tudo o que eu gostaria é que compreendesse todo o sentimento estagnado nesse peito, mesmo que tivesse que ignorá-los.E essa sempre foi a razão dos meus sonos: ter uma chance pelo menos na irrealidade, de fazer com que soubesse tudo o que eu sinto.
Será que era por isso que eu sempre estive viciado nos meus sonhos? Estaria compulsivamente precisando dormir num sono eterno novamente? Claro que não.
A triste verdade deste dependente, era que sonhar sempre foi um efeito desta droga de vida,a qual me fazia esperar, e sonhar algo que eu nunca tivera de verdade... você.
A vida é uma droga e apenas uma desculpa, pois mesmo acordado ou dormindo, definitivamente nunca terei você.